No grande festival de futebol e astros que é uma Copa do Mundo, bem como nos shows da Madonna, do Elton John ou dos Rolling Stones, são comuns as exigências, digamos, excêntricas feitas pelos protagonistas dos respectivos espetáculos. Diego Armando Maradona, por exemplo, quis que as instalações do hotel em Pretória onde a seleção da Argentina esteve concentrada na disputa da Copa 2010 – até levar uma goleada da Alemanha – fossem equipadas com videogames em todos os quartos, duas saunas secas e uma privada especial com assento aquecido, secador com ar quente e dois bidês acoplados.
Um “capricho” da toda-poderosa entidade organizadora da Copa, entretanto, extrapolou a esfera da excentricidade e cotejou com a ingerência um tanto descabida de uma federação esportiva internacional na justiça de uma nação soberana. A Fifa exigiu e o governo de Jacob Zuma criou 53 tribunais especiais em toda a África do Sul para julgar, de forma rápida e rasteira, casos de crimes e delitos relacionados à Copa do Mundo. Eles começaram a funcionar duas semanas antes da Copa e permanecerão abertos até duas semanas depois da final da competição, que está marcada para o dia 11 de julho.
Os “tribunais especiais da Fifa”, como vêm sendo justamente apelidados, custaram 45 milhões de randes (cerca de US$ 5,7 milhões) aos cofres sul-africanos. Eles contam com 1.140 funcionários e há intérpretes para 93 idiomas. Trata-se de uma verdadeira máquina de colocar gente na cadeia, cuja eficiência alardeada aos quatro ventos não vem tendo como alvo os responsáveis pelos casos de clientelismo, superfaturamento, formação de carteis e assassinato relacionados às obras para a Copa do Mundo de 2010 – casos investigados, documentados e denunciados pelo Instituto de Estudos de Segurança (ISS, sigla em inglês) em um relatório de 250 páginas divulgado pouco antes de a bola rolar, sendo solenemente ignorado pela própria Fifa e pelo governo Zuma.
Os alvos do mutirão penal
Quando anunciou que cederia ao capricho punitivo da Fifa, o ministro sul-africano da Justiça, Tlali Tlali, tentou definir a clientela dos tribunais especiais, bem como o quão duro eles viriam a ser: “qualquer falta ou delito, independentemente de o infrator ser sul-africano ou estrangeiro, será julgado em algum destes tribunais. Não haverá indulgência nem serão aplicados padrões diferentes”. Em suma, os alvos do mutirão penal, com julgamentos ultrarrápidos e aplicação imediata de severas penas, são os torcedores brigões, os batedores de carteiras e talvez uma ou duas exceções para confirmar a regra de qualquer sistema penal, ordinário ou extraordinário: prender o peixe pequeno.
“Não haverá indulgência nem serão aplicados padrões diferentes”? Nem tanto. Conforme noticiou o Opinião e Notícia, quando duas modelos holandesas foram parar em um dos tribunais especiais enquadradas em leis de proteção de marcas e patentes com vigência exclusiva para a Copa do Mundo, uma outra exigência da Fifa, a própria Fifa mandou arquivar o processo. Prevaleceu o óbvio ululante: vai na contramão da razoabilidade deixar duas moças trancafiadas em um país estrangeiro porque foram para as arquibancadas vestidas com roupa laranja, a cor da camisa da seleção da Holanda, mas também a cor usada na publicidade da cervejaria que as contratou e que não pagou para exibir sua marca no torneio.
Não teve mesma sorte o pobre diabo que furtou o celular de um turista estrangeiro e foi condenado por um “tribunal especial da Fifa” a cinco anos de cadeia, tampouco dois assaltantes que roubaram o equipamento de um fotógrafo e por isso vão passar longos 15 anos no xadrez. É uma entidade demasiadamente conservadora, esta Fifa: não gosta de replays para ajudar a vida dos árbitros, nem de penas alternativas para minimizar o desfortúnio de vidas desperdiçadas.
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